Brasil é campeão da burocracia: 80 dias só para abrir uma empresa
Em seus escritos de ficção científica, o britânico Douglas Adams descreveu uma das raças mais desagradáveis da galáxia como: burocrática. Eles não salvariam as próprias avós da morte sem um ofício em triplicata. Abrir e fechar uma empresa no Brasil não fica muito longe disso. O Banco Mundial coloca o país como uma das piores economias do mundo para se fazer negócios. E muito disso é fruto da burocracia.
No ranking, que lista 190 economias do mundo todo, o Brasil aparece em 123ª. Três quesitos puxam a classificação do país para baixo. Todos relacionados à burocracia: a facilidade para começar um negócio, as permissões de zoneamento e o pagamento de impostos.
A estimativa foi compilada pela Endeavor, rede internacional de apoio ao empreendedorismo, que acaba de publicar o estudo “Burocracia no ciclo de vida das empresas”. Um mapeamento feito com base em estudos acadêmicos e de consultorias, alguns feitos com exclusividade para a pesquisa.
O caminho da burocracia na vida das empresas começa antes mesmo delas existirem. Para abrir um negócio, o brasileiro leva, em média, 80 dias. O triplo dos argentinos e oito vezes mais tempo do que na Rússia. Na Nova Zelândia, o processo todo leva 24 horas.
A aceleração dos processos de abertura tem muito a ver com o surgimento de processos eletrônicos, dentro dos governos. Em meados da década de 2000, mais de cem países reformaram o ambiente regulatório para abertura de novas empresas. Entre as mudanças mais comuns estão a padronização de documentos, o registro online e o uso opcional dos cartórios.
O curioso é que o Brasil também entrou nesta onda. Há 10 anos, o Governo Federal criou a Redesim, que busca criar padrões e diálogo entre os diferentes órgãos envolvidos no registro de uma empresa; de forma que o cidadão possa protocolar toda a sua documentação em uma única plataforma. O suficiente para resolver boa parte do problema.
Mas a implantação da Redesim se mostrou lenta e complexa, já que depende de um redesenho institucional em cada um dos mais de cinco mil municípios brasileiros. O que exige vontade política. Tanto que um dos principais é a integração entre órgãos de licenciamento. No Paraná, nem 20% desta etapa foi concluída.
Manter as portas abertas é ainda mais difícil. Por ano, uma empresa gasta uma média de 2.038 horas para ficar em dia. São 85 dias corridos, só para preencher todos os documentos e pagar os impostos devidos.
Mudanças na regra no meio do jogo
Um empecilho, aqui, é que as regras mudam com o jogo já em andamento. O ICMS, cobrado pelos estados, é o principal vilão. Nos últimos quatro anos, o tributo sofreu uma alteração a cada três dias, no Brasil. Só no Paraná, foram 361. Santa Catarina, o estado que menos atualizou a legislação do ICMS, teve 54 trocas.
Parte disso se deve à guerra fiscal entre estados e entre municípios. “São estratégias legítimas para tentar atrair novas empresas e gerar emprego localmente. Mas manter-se atualizado é muito complexo para o empreendedor” reconhece o diretor da Endeavor no Paraná, Marco Mazzonetto. Mas fato é que as atualizações - inclusive de outros impostos, além do ICMS - tornam quase impossível para o empreendedor se manter em dia com a legislação tributária. E ainda ter tempo para tocar a operação do seu negócio.
Isso, somado às obrigações acessórias (fichas que precisam ser preenchidas, e que não são necessariamente imposto) torna alarmante a quantia de empresas irregulares, no Brasil. Só um nível federal, quatro em cada dez empresas têm alguma pendência. Incluídos os tributos municipais, o número dobra.
“O empreendedor acaba perdendo o foco do que é o negócio dele, dos clientes dele, para tentar entender um pouco o que o governo está exigindo”, opina o contador Héber Dionizio, co-fundador da Contabilizei, que já ajudou na criação de mais de quatro mil empresas. “A gente tenta amenizar isso com um bom atendimento”, mas “por mais que ele contrate um escritório, ele não vai ter um contador 100% do tempo ao lado dele”.
Fonte: Gazeta do Povo