Mesmo entre amigos, acordo de sócios deve ser formalizado
Um erro comum entre empreendedores iniciantes custou a Ana Fontes duas amizades mantidas havia mais de 20 anos. Em 2008, ela e dois amigos resolveram empreender. O trio lançou uma plataforma de recomendações de lugares na internet. Na euforia inicial, ninguém lembrou de acertar qual seria o papel de cada um dentro do negócio e muito menos de fazer um contrato social registrando o acordo.
"As coisas não foram bem e começamos a ter dificuldades. Quando percebi, estávamos brigando por bobagens", lembra Ana, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, que apoia empresárias.
A situação azedou tanto que os três tiveram de buscar ajuda de um mediador para fazer as negociações na hora de desfazer a sociedade. "Foi um processo que durou seis meses, tudo porque não tínhamos estabelecido as regras do jogo. Perdemos dinheiro e perdemos a amizade."
Foram alguns os erros cometidos nesse início. Para Ana, entre os fatores cruciais para o fracasso da empreitada estão a escolha dos sócios por amizade - e não por complementaridade de competências - e a falta de diálogo sobre expectativas e conflitos que poderiam vir a surgir.
Em uma pesquisa sobre a taxa de sobrevivência das empresas brasileiras realizada em 2016, o Sebrae identificou que 23,4% dos negócios não passam de dois anos de vida. Problemas de gestão e planejamento estão entre as principais causas desse fim precoce.
"O brasileiro tem medo de falar as coisas de forma direta e objetiva. No começo de um negócio ninguém quer debater os problemas que podem vir a surgir no futuro. Mas é extremamente importante que tudo esteja documentado desde o início, mesmo no caso de uma sociedade entre amigos", afirma Ana.
Formalizar a relação permite que as questões de interesse dos sócios sejam definidas previamente e de forma objetiva, orientando a solução de possíveis divergências que podem ocorrer durante a vida da empresa. Dessa forma, conflitos são prevenidos.
O ideal é que essa formalização seja registrada em cartório. Mas, no início, já ajuda fazer um documento escrito e assinado por todos, listando como será a divisão do capital, as regras para tomadas de decisão e as funções de cada um, para orientar os sócios.
Não é desaconselhável montar uma empresa com pessoas próximas, mas especialistas e consultores de negócios alertam que a relação de amizade não deve ser o único fator a ser considerado.
O professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcus Salusse recomenda ainda formar parcerias em que fique bem claro quem terá o poder de decisão em cada assunto.
E sugere até mesmo um acordo de acionistas de 51%-49%. Assim, no caso de um impasse, o detentor da maior fatia terá preferência na decisão.
Nem todo empreendedor tem, afinal, a sorte de Altino Cristofoletti Junior. Junto a um amigo de infância, o empresário fundou há 25 anos a Casa do Construtor, rede de franquias especializada na locação de máquinas e equipamentos de pequeno porte para a construção civil que atualmente conta com 260 lojas.
"Fomos definindo questões importantes como os papéis de cada sócio, o alinhamento de expectativas pessoais e profissionais e o acordo de acionistas ao longo do caminho", conta ele. Os sócios assinaram o acordo apenas em 2013, com a participação de ambas as famílias. Questões como herança e sucessão foram contempladas.
O QUE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO AO ESCOLHER UM PARCEIRO
Tudo o que é importante para os sócios, que norteia as decisões, as escolhas e os comportamentos deve estar de acordo
Visão de longo prazo
Os objetivos da empresa devem ser claros e compartilhados, para que as decisões sejam tomadas sem grandes divergências
Competência
Os sócios precisam ter competências e habilidades complementares. É melhor buscar uma pessoa que tenha características e habilidades que você não tem
Experiência
Os sócios devem ser capazes de trazer para o negócio sua experiência profissional e pessoal, o que já foi feito e vivido em outras situações
Boa convivência
A afinidade entre os sócios é fundamental para manter a saúde física e mental, e também para a longevidade do negócio
Fonte: Jornal do Comércio