Crédito à empresa volta a fluir
Os bancos voltaram a aquecer os motores para conceder crédito às empresas. Depois de dois trimestres de calmaria, agosto foi o ponto de inflexão que deve marcar a retomada desse segmento. Mais do que uma corrida para tirar o atraso gerado pela crise, os bancos estão de olho no crescimento da economia em 2010.
Somente o Itaú Unibanco, maior banco privado do país, tem quase R$ 40 bilhões disponíveis para as empresas, metade dos R$ 80 bilhões previstos para o ano. "Se houver mais demanda, podemos elevar esse limite", diz Sandra Boteguim, diretora de produtos para pessoas jurídicas.
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Na mesma linha, o Bradesco se surpreendeu com a retomada antes do previsto da demanda por crédito empresarial. Segundo o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, a capacidade ociosa, que existiu no fim do ano passado e início deste, desapareceu. E a demanda por capital de giro deve aumentar muito, disse em recente entrevista ao Valor. A previsão é que a carteira avance 20% nos próximos 12 meses.
Enquanto isso, o Banco do Brasil mantém o ritmo forte de financiamentos que imprimiu durante a crise e o Santander se prepara para o lançamento de ações que dará um fôlego adicional de R$ 80 bilhões para o crédito.
A disputa entre as grandes instituições financeiras que se delineia pode favorecer as empresas. Os setores pouco dependentes do mercado externo e que sofreram menos com a crise, como o de bens de consumo, já têm oferta de crédito em excesso. Para as chamadas empresas saudáveis já há mais oferta do que demanda.
Um indicador desse comportamento é que a taxa de conversão dos novos clientes ("prospects") em tomadores ativos de crédito está caindo, ou seja, as empresas não estão usando todo o limite disponibilizado pelos bancos.
Muitas linhas que haviam sumido estão aos poucos retornando à prateleira dos bancos. O capital de giro caminham para a normalidade, com prazos próximos de um ano e a volta da carência e do pagamento parcelado. Na crise, os prazos caíram para 30 e 60 dias, com renegociação mensal de taxas.
Já os juros vêm caindo consistentemente, apesar do spread ainda elevado. As médias que chegaram a pagar CDI mais 1,5% ao mês durante a turbulência já contam com ofertas a CDI mais 1% ao mês e até taxas inferiores.
O retorno à ativa dos bancos grandes se deve à melhora da confiança, à queda da inadimplência e também à reabertura das linhas externas. Mas nesse caminho de volta estão se deparando com um obstáculo importante. Têm encontrado boa parte do mercado ocupado pelos bancos públicos, que, sob orientação do governo, pisaram fundo na concessão de crédito durante a crise.
Segundo o diretor financeiro de uma companhia de médio porte, o Banco do Brasil era um dos seus parceiros menos expressivos. "Os juros eram baixos, mas o banco estatal sempre liberou limites muito curtos com uma análise muito conservadora", disse o executivo. Com a crise, o BB ampliou os limites e passou a ser o principal banco dessa empresa, ao lado do Banco do Nordeste.
A estratégia do BB pode ser determinante na disputa que promete ser acirrada em 2010. "Largamos na frente e pretendemos manter o ritmo forte no ano", disse o diretor de atacado, Allan Toledo. "Ajudamos muitas empresas a sobreviver. Nos tornamos parceiros delas. Vamos continuar crescendo nas companhias que conhecemos e também buscar novos clientes."
Com a economia podendo crescer mais de 5% em 2010, o crédito deve ser o grande motor da expansão da atividade e do consumo. É esperado um grande crescimento dos empréstimos no próximo ano e ninguém quer ficar para trás. Relatório do Goldman Sachs prevê crescimento da carteira de Itaú e Bradesco em 25%.
O acirramento da concorrência já preocupa os bancos médios. Quem trabalha no "middle market" está ampliando a equipe e revendo as estratégias, como o Banco Fibra. "Estamos nos preparando para sair cantando pneu no dia 2 de janeiro", disse o diretor Maércio Soncini.
A instituição não quer perder o espaço que conquistou no ano. "Nos antecipamos e trouxemos 400 novos clientes". O Banco Votorantim, que concluiu parceria com o BB, também prepara uma ampliação da área para médias empresas.
Agosto marcou a volta dos bancos ao crédito para empresas e setembro já registrou intensa disputa pelos clientes mais saudáveis. Segundo o Banco Central, o saldo cresceu pouco mais de 1,4% entre julho e agosto, mas é preciso considerar que no último dia de julho houve uma operação de R$ 25 bilhões entre o BNDES e a Petrobras que distorceu os dados. Sem isso, a concessão aponta claramente para uma inflexão, com avanço de 4,6% no mês (ver gráfico).
O cenário, no entanto, ainda está distante do pré-crise, antes da quebra do banco americano Lehman Brothers que levou as instituição nacionais a reduzirem dramaticamente a oferta de dinheiro.
O caso da Beraca, indústria de médio porte que fornece ingredientes naturais para as farmacêuticas, ilustra bem o momento. "Está havendo uma retomada gradual da oferta, principalmente no segundo semestre.
Mas as instituições estão muito mais criteriosas, exigindo garantias mais líquidas, como recebíveis ou aplicações financeiras", disse Ana Paula Sudan, supervisora financeira da companhia. "O mercado começou a girar de novo, estamos vendendo mais, mas a disponibilidade de crédito não está na mesma velocidade".
Apesar da seletividade, as condições já são mais favoráveis. "Antes da crise, fechávamos uma operação de financiamento à importação com custo de 5% ao ano. Hoje ainda está caro, na casa dos 13%. Mas no pico da crise bateu 37% ao ano. Quem estava disposto a pagar esse custo sem saber o que ia acontecer", questiona Ana Paula.
Boa parte desse rigor ainda se mantém, segundo Fernando Blanco, presidente da seguradora de crédito Coface, porque a memória da alta da inadimplência ainda está muito fresca. "Nessa crise, empresas tinham solvência, mas estavam mais alavancadas que o usual. Tinham muitas duplicatas a receber, estoque muito alto e endividamento erroneamente de curto prazo."
Fonte: Valor Econômico